Desde a identificação do primeiro caso de infecção pelo Novo Coronavírus (Sars-CoV-2) em 25/02 último, a doença por ela causada, denominada COVID-19 vem se disseminando em nossa população. Transmitido através de contato pessoa-pessoa por via respiratória e sem vacina para prevenção da infecção, o cenário de disseminação do Coronavírus era esperado desde a detecção da sua entrada no Brasil. A identificação da entrada assim como a formulação de cenários de transmissão foi possível pela atuação oportuna da vigilância em saúde a cargo do SUS – Sistema Único de Saúde. No Rio de Janeiro o primeiro caso foi identificado em 05/03.

Passada a fase inicial em que os casos eram alóctones (importados), ou seja, a infecção ocorreu por contágio através de fonte externa, iniciamos em seguida a fase de transmissão local com o surgimento de casos autóctones – indicativos do estabelecimento de cadeias internas de transmissão, passíveis de identificação pela vigilância em saúde. Mais recentemente, no dia 13/03, o Ministério da Saúde confirmou o início da fase comunitária de transmissão, a partir da ocorrência de casos em que não é mais possível identificar a cadeia de transmissão.

Desde então o governo do estado do Rio de Janeiro anunciou a suspensão, por 15 dias, das aulas nas redes pública e privada, em escolas e universidades, e de eventos esportivos, shows, feiras, comícios, passeatas, entre outros, assim como o fechamento de teatros, casas de show e cinemas.

Também foram suspensas as visitas a pacientes internados por causa do novo coronavírus em hospitais públicos e privados e a detentos de unidades prisionais, assim como o transporte de presos para a realização de audiências.

No atual momento da pandemia entre nós, em que se estabelece a transmissão comunitária, a expectativa é de grande aceleração da disseminação do vírus através da ocorrência de contatos efetivos, ou seja, aqueles entre um indivíduo infectado e outro suscetível que resulta em uma nova infecção. Dado que não há vacina disponível, o que podemos – e devemos – fazer é agir no sentido de reduzir a probabilidade com que estes contatos ocorrem. Com isso reduziremos a velocidade com que surgirão novas infecções e, consequentemente novos casos graves que necessitarão de internação hospitalar, entre os quais alguns precisarão de suporte em CTI – por períodos relativamente longos, de cerca de três semanas. Assim, a demanda por este tipo de atendimento será menos intensa e se distribuirá por um período maior, possibilitando à rede hospitalar - em particular a do SUS, que receberá a maior parcela dos casos graves – absorvê-la de forma mais adequada.

No limite, se passássemos as próximas semanas completamente isolados uns dos outros, a probabilidade de contatos efetivos tenderia a zero e os casos tenderiam ao desaparecimento. O isolamento total de cada um de nós não é possível – nem tampouco desejável -, mas, o fazendo de alguma forma, auxiliará no rompimento de cadeias de transmissão que de outra forma se estabeleceriam.

Cada indivíduo infectado infecta em média três suscetíveis (arredondando, a estimativa é de cerca de 2,74). Ou seja, de 1 infectado surgirão em seguida outros 3, a partir dos quais seguirão mais 9, depois 27, 81, 243 ... e por aí vai.

Suponha que, com a suspensão de aulas, eventos, aglomerações, em suma, da mobilidade das pessoas e consequente contato entre elas, conseguíssemos baixar de 3 para 2 suscetíveis infectados por cada caso. A sequência, no mesmo período de tempo, seria, 1, 2, 4, 8, 16, 32, ... Bem menos do que na anterior. Se somente um suscetível fosse infectado por cada caso, teríamos, em sequência, 1,1,1,1,1,1,...

Essa é a fundamentação, a lógica por trás das decisões e recomendações em curso, com vistas a restrição da mobilidade e aglomeração. O ganho individual, embora exista, é relativamente pequeno, pois a probabilidade de sermos infectados, cada um de nós, no curso da epidemia, continuará relevante. O ganho maior é coletivo, populacional, uma vez que a disseminação ocorrerá – diria que isto é inevitável – mas em intensidade menor, impondo menos demanda ao SUS e à rede de saúde como um todo. Com isso estaremos protegendo indiretamente os grupos da população mais suscetíveis às formas graves.

De um jeito ou de outro, possivelmente chegaremos ao final da epidemia, daqui a alguns meses, com números semelhantes de casos infectados. Porém, se conseguirmos agora reduzir a intensidade da disseminação do Coronavírus, teremos ao final menos mortes. Esta é a finalidade maior.

A ampla divulgação e prática das medidas de higiene individual é fundamental para conter a disseminação do vírus. Todavia, considerando a precariedade do abastecimento de água – intermitente e irregular - no estado do RJ, em particular na região metropolitana onde se concentra a maior parte da população, a efetiva operacionalização destas medidas será limitada. Se considerarmos as precárias condições de moradia, mais prevalentes nas áreas carentes de suprimento adequado de água, caracterizados pela aglomeração intradomiciliar e com pouca ventilação, os cenários propícios à disseminação da COVID-19 se potencializam.

Por fim, é oportuno destacar também as informações a respeito da letalidade mais baixa do SARS-CoV-2 (cerca de 3,6%), em relação aos seus antecessores, SARS-CoV (10%) e o MERS-CoV (34%). Considerando somente os infectados, o SARS-CoV e, principalmente, o MERS-CoV seriam ameaças mais relevantes às nossa vidas, conclusão corretamente pautada no raciocínio clinico.

Porém, apesar da letalidade mais baixa (comparativamente, pois 3,6% não é exatamente baixo; além de se tratar de uma média, variável segundo faixas etárias e ultrapassando 10% na idades mais avançadas) , as evidência indicam que sua infectividade é bem maior. Sendo assim, o seu impacto populacional em termos de número de mortes pode ser maior do que os demais coronavírus causadores de SARS. Afinal, grandes contingentes populacionais expostos a pequenos riscos geram mais casos do que pequenos contingentes expostos a riscos elevados, conclusão este baseada na forma de pensar da saúde pública.

 

Estas explicações visam informar ao corpo social do IESC o porquê das medidas tomadas pelo governo, pela UFRJ e no âmbito da nossa unidade. Desta forma, buscamos contribuir para a conscientização de todos quanto a importância das medidas de contenção, quanto ao papel crucial dos serviços de saúde do SUS e de cada um de nós frente a pandemia.  

Antonio José Leal Costa, MD, MPH, PhD
Diretor
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - IESC
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ